A produção tipográfica brasileira começou a dar seus primeiro passos apenas na década de 1980. Até então, o país não tinha uma tradição consolidada no desenvolvimento de tipos.
Nesta década surgem alguns dos primeiros tipos exclusivos para marcas em projetos de identidade corporativa como os trabalhos do uruguaio radicado no Brasil Eduardo Bacigalupo para a Vasp e a Bardhal. Ambas tipografias são derivadas dos logotipos das empresas.
Em se tratando de desenvolvimento de tipos digitais, durante esse período, houve poucas iniciativas, fato esse, diretamente ligado ao baixo acesso à tecnologia e às ferramentas específicas para desenho e produção de fontes.
Só em 1989 surgiu o que parece ser a primeira fonte digital brasileira com a intenção de se criar um desenho inédito: Sumô, de Tony de Marco. Somente nos anos 1990 a revolução digital começaria a ter impacto direto no design de tipos no país.
É nos anos 1990 que começam a ser identificadas as duas vertentes predominantes no design tipográfico brasileiro. Uma está ligada a projetos de design corporativo, seja no sentido de marca ou mesmo de texto.
Um dos marcos desta vertente está o desenho da Folha Serif (1994/1995), que tornou a Folha de S. Paulo o primeiro jornal brasileiro a contar com um tipo exclusivo. Porém, o desenvolvimento ficou a cargo de dois europeus: Lucas de Groot e Erik Spiekermann.
Entre os projetos desenvolvidos por brasileiros estão a fonte para o jornal Notícias Populares (1995), de autoria de Tony de Marco e a fonte desenvolvida como parte do projeto de identidade visual da rede de postos de combustíveis Graal (1998), de Fernanda Martins.
A segunda vertente está ligada a projetos mais ligados à experimentação e se enquadram, em sua maioria, na categoria “fantasia” ou display.
A explosão da tipografia digital só chegaria de fato ao Brasil na primeira década do século XX, tendo um ritmo de produção acelerado entre os anos de 2006 e 2007.
Nesse período, os tipos display se destacam na produção nacional. Entre eles ganham ênfase alguns desenhos de fontes inspirados na escrita vernacular.
A escrita vernacular está atrelada à produção espontânea e autêntica de letreiros ligados a uma determinada região ou localidade específica, geralmente produzida à margem do design oficial.
Produções deste tipo não estão ligadas a conceitos acadêmicos, principalmente àqueles reminiscentes do design europeu, que formaram as raízes do ensino do design no Brasil, baseado nos princípios do funcionalismo e da “boa forma” e que não carrega valores, significados e símbolos culturais aos seus trabalhos.
Porém, para o escritor e historiador Rafael Cardoso, essas produções informais têm traços do que se pode identificar como um design brasileiro mais autêntico, com bases mais próximas da cultura de um Brasil que é misto, plural, misturado e improvisado.
Entre as marcas das letras utilizadas nestas produções estão o distanciamento de convenções tipográficas, demonstrado pelo pouco ou nenhum respeito por conceitos como entrelinha, hierarquia de espaços e dimensões.
A grafia, nem sempre precisa, vai das letras ingênuas e quase infantis do pintor amador até o estilo mais refinado dos profissionais. De um ponto de vista menos racionalista, são essas características que trazem exclusividade e humanidade não só às peças mas também à paisagem urbana.
Porém, com a popularização da impressão digital e dos plotters de recorte em vinil ou da impressão em grandes formatos — que trouxeram tanto um custo reduzido, mas principalmente rapidez no processo — representa uma perda de espaço para esses profissionais.
Apesar desta decadência, o que se percebe de alguns anos para cá é uma valorização e tentativa de registro desse tipo de trabalho, seja com a publicação de livros, pesquisas acadêmicas ou, principalmente, pela apropriação e transposição da linguagem visual anônima das ruas, das comunidades, para a prática do design formal.
Dentre as formas de integrar o vernacular ao design formal está o processo de usar releituras ou transposições de elementos visuais da linguagem vernacular e propor novas aplicações.
Isso pode ser visto em projetos como a capa do álbum “Brasil Afora”, dos Paralamas do Sucesso, que além dos grafismos inspirados em letreiros populares, usa também fontes digitais com inspirações vernaculares como a “Contexto”, de Vinícius Guimarães, e “1Rial”, de Fátima Finizola.
Fátima Finizola, uma das principais pesquisadoras brasileiras sobre o assunto, supõe que, ao olhar para essas produções populares, o designer, visto atualmente como um reprocessador de símbolos e linguagens, mostre certa preocupação com a identidade cultural da produção de design.
Assim, o profissional, busca usar as referências de cultura popular para produzir um design bem relacionado com seu contexto social e voltado para as necessidades de seu público e as peculiares a seu território.
De certa forma, continua a autora, isso também ajuda a construir e legitimar um design brasileiro e proporciona uma troca de experiências e uma ampliação dos horizontes das soluções projetuais.
*Publicado originalmente na revista Letraset — Nº 5, set/2016.