O nosso cotidiano é repleto de informações que são transmitidas de diversas formas em centros urbanos, periferias ou zonas rurais. São placas de sinalização, identificação de ruas e rodovias, nomes de prédios, relógios, termômetros ou grafites.
São pequenos comerciantes colocando seus produtos à venda, borracharias ao longo de rodovias federais, pequenos cartazes feitos à mão informando o horário de atendimento ou que “voltam já”.
Serviços oferecidos, informações sobre o que é permitido ou não, cardápios escritos em painéis de led ou quadros negros informando o prato do dia. Todas essas manifestações das representações gráficas da escrita querem nos informar algo.
Elas compõem o que a pesquisadora Fátima Finizola chama em seu livro Tipografia Vernacular Urbana de paisagem tipográfica urbana. Ou seja, um conjunto de elementos gráficos entre letras ou números, que convivem conosco e exprimem os gostos, hábitos e costumes do local onde está inserido.
Essas manifestações podem ser produzidas formalmente, por artistas, arquitetos, designers ou publicitários, através de processos automatizados e digitais, com veiculação autorizada por órgãos públicos.
Ou informalmente, feitos de forma manual por pintores de letras ou cidadãos comuns que precisam informar algo e nem sempre possuem autorização para isso. São as manifestações comerciais e quem as produz que movem o nosso projeto.
Os pintores de letras são os principais responsáveis pelas manifestações comerciais informais em uma paisagem urbana. Porém, há uma diferenciação entre eles.
Existem os pintores tidos como profissionais, que têm um conhecimento técnico sobre a arte de pintar letras mesmo sem nenhuma formação, fazem disso sua fonte de renda, geralmente trabalhando com letreiramentos comerciais, faixas e fachadas.
E existem também os pintores ocasionais, que pintam de forma singela e improvisada, com o objetivo único de informar algo de forma rápida. Por mais que as questões técnicas diferenciem esses dois grupos, a falta de formação acadêmica, a classe social e o anonimato os unem no âmbito cultural, fazendo com que eles façam parte da cultura popular da região ou país em que estão inseridos.
É difícil datar o início da profissão do pintor de letras, já que devido ao caráter efêmero dessas manifestações comerciais, são poucos os registros antigos sobre essa forma de comunicação.
Desde as pinturas rupestres da Pré-História às inscrições murais nas ruínas da cidade romana Pompeia, as paredes eram utilizadas como suporte para mensagens.
Porém, somente no século XIX, com a Revolução Industrial, surge o letreiramento comercial, com o objetivo de diferenciação e identificação em meio à produção cada vez mais intensa.
Com isso, a profissão passa a se disseminar pelo mundo. Nos Estados Unidos, os sign painters eram responsáveis por desenvolver marcas para produtos e serviços com o intuito de destacá-los de seus concorrentes.
Na Argentina, o fileteado porteño era utilizado para decorar carroças que trabalhavam no abastecimento de mercadorias para a cidade. Até hoje, na Índia, os letreiramentos manuais fazem parte do cotidiano do país, desde manifestações informais a cartazes de filmes.
No Brasil, a Oficina de Pintura em Geral — Palinsky & Fleiderman é um dos primeiros registros que se tem da profissão, funcionava na década de 30, no bairro Catete no Rio de Janeiro, oferecendo serviços como pinturas de prédio, propaganda comercial e trabalhos de ouro em vidro.
O que se pode perceber é que com o aumento da produção a partir da Revolução Industrial e o consumo cada vez mais desenfreado por parte da sociedade, os letreiramentos agiam como uma forma de chamar a atenção dos consumidores, fazendo com que a profissão crescesse cada dia mais.
Hoje com os avanços das tecnologias de impressão e o barateamento desses processos, a profissão do pintor de letras está se perdendo. Porém, vemos também um gradativo interesse de designers que buscam inspiração nessas manifestações para projetos como forma de valorização e preservação cultural.
O projeto Letras Q Flutuam das designers Fernanda Martins e Sâmia Batista e o Abridores de Letras de Pernambuco da designer gráfica e pesquisadora Fátima Finizola foram alguns dos projetos que deram início a busca pela preservações e valorização do trabalho dos pintores de letras.
O primeiro mapeia o trabalho dos pintores das cidades ribeirinhas da Amazônia, todo o trabalho foi registrado no documentário Marajó das Letras, que mostrou e registrou o estilo da região. Já o segundo, mapeou a gráfica popular do estado do Pernambuco e toda a pesquisa foi transformada em livro.
Vale também citar o livro Tipografia Vernacular que reproduz a monografia feita em 1996 pela designer Mariana Rodrigues, que catalogou e analisou o estilo da gráfica brasileira em algumas cidades do país.
Seja de forma profissional ou ocasional, o pintor de letras é um produtor de expressões da nossa cultura, que trabalha em benefício da comunicação. Suas produções compõem o nosso dia-a-dia e as nossas paisagens.
Na profissão deles podemos encontrar uma forma de compreender a realidade que nos cerca, através de uma análise das características gráficas das produções desses pintores.
Ao mesmo tempo em que os avanços da tecnologia caracterizam uma ameaça à profissão, é nela também que encontramos uma forma de valorizar a mesma.
Por meio das redes sociais, registros audiovisuais, fotográficos, desenvolvimento de tipografias inspiradas em letreiramentos ou diversos outros formatos é possível preservar e manter vivo o trabalho e a importância cultural dos pintores de letras no Brasil.
Texto adaptado do artigo científico Pintores de Letras: Como as mídias sociais podem contribuir com a valorização cultural publicado originalmente nos anais do IX Encontro de Pesquisa em Comunicação. Para ler o artigo completo, acesse aqui.