Em plena avenida Beira Mar Norte, com vista privilegiada para a ponte Hercílio Luz, mas espremida entre prédios, resiste a pequena oficina de pintura “Beiramar Letreiros”.
O proprietário, Afonso Azevedo Costa, 60 anos, é natural de Recife, mas mora desde os dez anos de idade em Florianópolis. Vive desde então na casa que era dos pais, nos fundos de onde hoje funciona sua oficina. Apesar das ofertas pelo terreno, localizado numa área nobre, Afonso optou por permanecer. “Conversam, conversam, mas na hora de pagar o que tem que pagar, não pagam”, desabafa.
Entre a confusão de placas e materiais de pintura da oficina, se destacam desenhos a caneta e giz pendurados pelas paredes. “O que eu gosto mesmo é de ficar desenhando. Sem compromisso, sem terminar. E nem termino. Daí eu já gosto de pegar outro e já faço. Só desenho louco”, diz sobre as criaturas fantásticas e bizarras, paisagens imaginárias.
De papo fácil, Afonso conta que sempre gostou de desenhar e começou a trabalhar ajudando na montagem da estrutura de placas e preparando o fundo para outros pintores. Depois disso trabalhou com cartazista nos mercados Pão de Açúcar e Imperatriz. Em meados nos anos 1990 montou um negócio próprio no porão da casa dos pais. De lá para cá divide-se entre a pintura de fachadas e faixas e o trabalho ocasional como cartazista, mas já trabalhou também como porteiro para equilibrar as finanças. Contudo, uma cirurgia recente para tratamento de uma úlcera forçou-o a reduzir sua carga de trabalho, focando quase exclusivamente na pintura de faixas e cavaletes.
“Depois que eu fiquei doente, que deu uma acalmada. Eu tinha até dois serviços, perdi. Perdi dois serviços. Uma ali em Barreiros, ia fazer uma pintura na igreja. Ia fazer uma frase, assim, né? Tinha um arco-íris e uma pomba no meio. Ia ficar legal, mas não deu pra fazer”, lamenta Afonso.
Atualmente, sua fonte de renda principal é a produção de faixas e placas, atendendo uma variedade de clientes em toda a ilha, especialmente corretores, proprietários de imobiliárias, lojas e estacionamentos. Ele também é procurado para pintar faixas anunciando a aprovação de estudantes no vestibular.
“Já fiz coisa pra caralho, cara. Lavação de carro, fiz um monte de estacionamento. Já pintei até no cemitério, retocava os jazigos. Já pintei barco também, vários. Eu já fiz coisa do arco da velha”, relembra.
Entre trabalhos inacabados na oficina, ele relembra experiências engraçadas sobre seus clientes. Um dos episódios envolveu um cliente indeciso sobre o nome de sua lanchonete. “O cara abriu um quiosque, uma lanchonete. O homem nem sabia o nome que ia botar na lanchonete, só pediu pra escrever lanchonete. Mas ele escreveu errado, botou lanchote. Aí eu peguei e botei lanchote na placa, né? Porque foi ele que botou. Aí ele chegou aqui, olhou e disse ‘Pô, mas tá errado’, eu respondi: ‘lanchonete não é assim, eu sei, mas o senhor que escreveu, né?’. Aí ele ligou para a mulher dele: ‘É, eu fiz errado. Ficou errado. Lanchote, não sei’. A mulher falou: ‘Ah, não, então deixa assim’. Aí o nome da lanchonete ficou lanchote. Um erro que deu certo”, relembra rindo. “E cliente é chato, bicho. Cliente é chato pra caralho”.
Apesar da brincadeira, Afonso é meticuloso e desenvolveu métodos próprios ao longo dos anos para melhorar a relação com os clientes. “Eu pergunto pra ele o que ele quer, daí ele fala. Se ele quer uma plaquinha de vende-se, aí eu pergunto o tamanho. Aí pergunto onde é que ele vai colocar pra entender. Porque assim, ó, eu dou um toque pro cliente, pra ele não jogar o dinheiro fora eu já digo, não, é bom botar essa faixa, é melhor colocar essa.”
Para trabalhos menores, como faixas e cavaletes, ele costuma usar o que chama de “letra de cartaz”, uma letra com características caligráficas, onde se percebe que a construção dos caracteres é ligada ao movimento do pincel. “Tu só faz a altura que tu quer, escreve pra ver se vai dar certo, de lápis ou de giz, depende do material, né? Mas depois faz no pincel direto”, explica.
Já para trabalhos maiores como pinturas de muros e fachadas ele costuma medir o local, dividir o espaço para as letras e, na oficina faz moldes de papelão com o desenho final das letras. “Não sou burro, eu vou lá, calculo o muro, chego em casa e já faço as forminhas e já vou com elas prontas”.
Afonso é um grande crítico do trabalho de quem “tira tudo no grito”. “Por que que não passa uma linha, né, cara?”, ele se pergunta enfatizando a importância de manter proporções consistentes entre as letras, evitando erros e economizando tempo no processo. “O A eu sei que é a letra maior que tem, o A e o B, né? O A, o B, o M são tudo letras maiores. O E, pra mim, é a letra menor que tem, eu sempre faço o E menor, mais estreito. Aí o resto eu faço tudo nessas mesmas proporções. Até porque eu não gosto de chegar na parede e desenhar direto na parede. Se o cara erra tem que apagar tudo. Eu gosto de não perder tempo, cara. Eu já tenho as forminhas, já levo tudo pronto”, explica.
Quando se trata de materiais, Afonso prefere trabalhar com tinta acrílica em vez de tinta a óleo. “Eu não uso mais tinta óleo porque tem que usar solvente, aí faz mal”. Ele não tem preferência por pincéis específicos, mas não gosta de trabalhar com pincéis de pelo muito longo, gosta de encurtá-los. “Aí arrasta melhor, não tem?”
Apesar das mudanças tecnológicas ao longo dos anos, Afonso acredita que, se a saúde permitir, ainda pode se manter no mercado por algum tempo. Embora tenha tentado se atualizar com um computador e uma plotter de recorte em meados dos anos 2010, ele retornou ao seu método tradicional quando esses equipamentos deram defeito. Hoje ainda trabalha com adesivos, mas usa só estilete. Em 2015 criou uma página no Facebook que foi abandonada e atualmente a divulgação do seu trabalho se dá por cartões de visita e no boca-a-boca, que ele acredita funcionar bem.
“Uma vez veio um pessoal de São Paulo, da Independente, a torcida. Aí eles têm aquela faixa grandona escrito Independente, vinte e três metros. Eles vieram jogar contra o Figueirense aqui, mas esqueceram a faixa lá. Eles estavam aqui no hotel e os caras do hotel conheciam a gente e indicaram, aí eles vieram conversar comigo pra fazer a bandeira”.
Márcia, a esposa que trabalha com artesanato e ajuda o marido quando possível, define Afonso como um “marido CCE: conserta, conserta, estraga, mas como pintor eu assino embaixo, é uma Brastemp”.